Formiga Alienígena


Salvar o planeta Terra é um empreendimento gigantesco, você não acha? Sem alguma espécie de cooperação global, não iremos muito adiante. Mas antes de decolarmos nessa direção, talvez poderíamos considerar outro caminho. Talvez deveríamos escutar a voz da...

No meio de um campo que pertencia à fazenda do Seu José, havia um grande formigueiro, cheio de robustas formigas vermelhas. Eram altamente inteligentes e sofisticadas, mantendo uma sociedade modernamente civilizada, completa, com um governo centralizado e uma universidade que ensinava História, Ciência, Psicologia, Sociologia, Filosofia, e Ciências Políticas.

Numa bela tarde de primavera, uma formiga estranha se aproximou, uma formiga preta. Formigas-vigia observaram, registrando cada movimento. Ela subiu o morro vagarosamente, meio de lado, evitando forçar a sua perna ferida. O Complexo Presidencial foi alertado, e um contigente especial foi enviado ao encontro do alienígena.

Sendo formigas inteligentes, altamente educadas, bem criadas e pacíficas, eram corteses e hospitaleiras com qualquer recém-chegado. Ofereceram-lhe comida, assistência médica, um lugar para ficar... Mas a nova formiga recusou tudo. Suas antenas estavam abanando excitadamente, e suas mandíbulas clicando a uma velocidade anormal. Ela insistia que não tinha tempo para esperar, tinha uma mensagem para o formigueiro inteiro.

"Você não pode nos contar e deixar que passemos a mensagem ao resto?" lhe foi questionado.

"Não", ela insistiu, levantando-se nas suas quatro patas traseiras. "Preciso contar para todas as formigas ao mesmo tempo, e precisa ser agora!"

Com isto as formigas convocaram uma conferência no supremo nível do formigueiro, e decidiram que sob tal circunstância incomum, uma assembléia do formigueiro inteiro poderia ser convocada. A colônia, de fato, tinha trabalhado duramente, e a reunião poderia, talvez, adquirir um ar festivo. E além disso, daria ao Formiga Presidente a chance de fazer uma declaração, que há algum tempo já pretendia fazer.

O chamado para reunião soou; e logo formigas vermelhas, gratas com a oportunidade de suspender o trabalho, começaram a reunir-se de toda cela e via de passagem, até que cobriam o "morro" completamente, dando o aspecto de uma pilha de bolinhas vermelhas brilhando no agradável sol de primavera.

Depois do protocolo tradicional e as instruções preliminares, foi indicado finalmente à impaciente formiga preta, o pico do morro da qual poderia contar a sua história.

Abrindo suas mandíbulas para falar, contou-lhes que ela também vivia num formigueiro parecido com este. Seus parentes também eram altamente educados, bem criados e pacíficos, morando juntos numa sociedade modernamente civilizada, completa, com um governo centralizado e até mesmo uma universidade que ensinava História, Ciência, Psicologia, Sociologia, Filosofia, e Ciências Políticas. Porém, foram todos surpreendidos por uma terrível tragédia.

Ontem mesmo, ela e suas formigas companheiras estavam tratando de seus negócios cotidianos quando ouviram um ruído agourento, que continuava aumentando sua intensidade até que se tornou um rugido ensurdecedor, fazendo tremer a terra. Ela tinha saído a tempo de ver uma enorme massa negra rolando em alta velocidade em direção ao formigueiro.

Não havia tempo de fazer nada a não ser sair instantaneamente do meio. Ela tinha corrido, tropeçado descendo o morro, e olhou para trás justo a tempo de ver a massa negra esmagar o formigueiro irreparavelmente, para dentro do chão. Tão grande foi a força, que arremessou enormes rochas contra a terra, uma delas atingindo-o e ferindo sua perna. Um enorme objeto brilhante, parecido com uma faca, seguia rasgando a terra e deixando um grande canyon. Esse objeto tinha penetrado no formigueiro amassado, abrindo-o e expondo aos pássaros os ovos, que tinham sido tão cuidadosamente guardados. O monstro terrível foi e veio várias vezes abrindo canyon após canyon, destruindo a terra inteira antes de ir embora finalmente.

Ela tinha ficado junto com os poucos sobreviventes, até que grandes chuvas lavaram os canyons, levando embora os ovos e as formigas mortas. Eles então, decidiram abandonar o que tinha sido sua casa. Mas antes de partir, juraram avisar todos os outros formigueiros.

"Por isso estou aqui," o alienígena contou à sua audiência. "E por isso que não posso ficar. Este lugar vai ser destruído!"

As formigas vermelhas escutaram, mas apesar de parecerem interessadas, não fizeram sinal de pânico ou agitação, além do ocasional clicar de mandíbulas, e balançar de antenas. A formiga alienígena insistia que não tinha tempo para perder. O formigueiro devia ser evacuado imediatamente, ela dizia, e os ovos transportados a um país seguro. Todas as formigas deveriam ir embora, ou dar de cara com a destruição.

Numa reunião apressada, convocada ali mesmo, o presidente e seus conselheiros decidiram que todas as formigas deveriam voltar ao trabalho enquanto os professores da Universidade Federal das Formigas sujeitassem o assunto a estudo intensivo. Então outra assembléia geral seria convocada, na qual os professores reportariam suas descobertas. Durante esse tempo o alienígena seria colocado em custódia para mais questionamento, e para preveni-lo de incitar uma possível revolta.

Na segunda assembléia das formigas, o presidente anunciou que uma decisão tinha sido feita. Cinco professores-formigas leriam suas reportagens, depois das quais ele anunciaria a decisão.

Entra primeiro o historiador. Ele cita as muitas e diversas formigas excêntricas que vieram e foram através da história das formigas, cada uma propondo uma teoria sem sentido, que depois sempre se provava falsa. Também citou que em todos os anais da história das formigas, nenhum registro de tal tipo de destruição e dilúvio catastrófico, pode ser apoiado pela evidência clara.

Entra então o cientista. Ele demonstra com o auxílio de recursos audiovisuais que tal fenômeno descrito como "grande massa negra" e "enorme objeto brilhante, parecido com uma faca" não podia ser produzido pela ciência das formigas, muito menos estar dentro da visão dela, desde que claramente eram de caráter sobrenatural. Ele citou que na sua opinião pessoal, os fenômenos eram milagrosos e portanto impensáveis à mente científica.

Agora é a vez do psicólogo. Ele explica que ferimento físico a uma outrora formiga sadia, pode enlouquecer a mente, trazendo fobias, obsessões, delusões, e alucinações realísticas. Explicou que isto poderia explicar a "visão" do alienígena.

Segue agora o sociólogo. Ele aponta para a absoluta necessidade de manter a estabilidade social e de prevenir histeria em massa através do grupo todo negar o fato. Discursou também que, de modo a preservar o sadio bem-estar de uma civilização de formigas, era imperativo desacreditar de qualquer coisa que poderia perturbar o estado atual e criar caos.

A seguir entra em cena o filósofo. Ele propõe a teoria da relatividade da verdade. Diz que o que o alienígena cria, era verdade para ele, e ele podia formar sua vida com base nisso. Mas o que as formigas-vermelhas criam, era igualmente verdade para elas, e que qualquer mudança de crença era desnecessária, nas condições de que permanecessem dentro de sua própria cultura.

Vem então o presidente, exaltando as virtudes das formigas vermelhas. Ele revela a decisão de manter o estado atual. Então, publicamente instrui o alienígena. Ele seria solto, mas só com a condição de que iria embora, para nunca mais voltar. E se retornasse, estava oficialmente notificado de que, ao seu retorno, seria imediatamente apreendido.

Uma saudação foi dada ao futuro das formigas vermelhas. O credo das formigas foi lido, e o voto à bandeira repetido. A assembléia foi dispensada, cada formiga vermelha indo à sua própria cela.

Posta em liberdade, a formiga alienígena começou a mancar solitariamente até o outro lado do pasto do Seu José, mergulhado nos seus pensamentos. O que ele tinha feito de errado? Porque eles não escutaram? Ele nem notou o Seu José sentado serenamente encima de seu trator, preparando-se para arar seu solo fértil, calculando quanta água precisaria para irrigar o campo onde aquele grande formigueiro de formigas vermelhas estava localizado.

Pobres, tolas formigas! Por que elas não escutaram? Por que não se deram conta que precisavam sair dali? Por que seus inteligentes cientistas não concordaram? Por que a voz de um solitário profeta não foi nem ouvida e nem obedecida? Por que todos estavam tão preocupados com preservar sua riqueza, poder, reputação ou conforto? Pobres, tolas formigas!

Mas será que nós somos muito diferentes? Será que podemos ouvir a voz dos profetas ambientalistas do ano 2000? E o que estas vozes proféticas estão dizendo, de qualquer maneira?

Ouvimos diferentes soluções para os grandes e eminentes desastres que ameaçam a terra inteira. Ouvimos que programas vão ser executados para talvez manter o balanço ecológico da terra sem haver nenhum colapso. Ouvimos que os países de primeiro mundo precisam garantir sua auto-suficiência econômica, não mais dependendo dos recursos dos países de terceiro mundo, mas tem alguém falando de nossa necessidade de sair completamente de um modo de vida destrutivo e esbanjador, o qual nunca antes se viu?

Não é esta a voz profética que ouvimos (mas de algum modo ignoramos) todo Dia Internacional da Terra? Sim, mas aonde alguém iria se quisesse sair? Onde é o lugar real no qual podemos ser parte da solução, não parte do problema? Qual é o lugar onde o egoísmo e consumismo podem ser tirados de nós? Existe um refúgio...

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